sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Não choveu ainda, mas tudo está disposto para a rega

20 Agosto (quinta) [1981] E eis que o tempo se pôs subitamente macambúzio. Não choveu ainda, mas tudo está disposto para a rega. Céu baixo e espumoso de cinza, pequenos golpes de vento e um ar inteiriçado nos pinheiros, cheios de resignação. É o anúncio de que o Verão se foi. De domingo a oito dias regressamos a Lisboa. Eu devo partir para a pousada na Serra no dia 2 e a Regina no dia 4 partirá na excursão ao México. Mas tudo se pode perturbar com a greve dos controladores aéreos que tende a alastrar da América a toda a Europa. Restará assim a hipótese de a Regina ir comigo até à Serra. Tenho ainda de preparar o carro para a aventura e tenho de não ter chuva. Imaginei a Serra na apoteose de uma grande noite lunar. Mas nem Lua devo lá ter. E assim, depois de tudo o que se programou já já meses, o que pode acabar por restar é um pouco de meditação aqui, à beira do fogão aceso. Mas em todos os espectáculos públicos costumava vir sempre o aviso de que «este programa pode ser alterado por qualquer motivo imprevisto». O imprevisto aqui é o conluio dos céus com o progressismo dos controladores.
Céu de cinza, vento de água ao alto dos pinheiros. Um cão ladra longe ao impossível. Hora suspensa. Estou triste por espírito de coerência.

conta-corrente 3
Vergílio Ferreira
Bertrand, 1983

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